Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


sexta-feira, 15 de junho de 2012

tom da saudade

O pássaro que me fez agradável companhia tem incomodado os vizinhos com seu canto noturno e fora de hora. Soube por acaso, quando chegava em casa no comecinho da noite do dia seguinte. Não lhe querem por perto, naturalmente. Enquanto isso eu, enquanto me despeço desta casa de que me mudo amanhã, encontrei nele o tom da saudade que não vou preciso mais sentir daqui.

terça-feira, 12 de junho de 2012

looooooooonge

Um pássaro cantando no silêncio da noite (já madrugada) me transporta para outras paragens. Foi mais do que imaginação.

mesmo que eu mande em garrafas mensagens por todo o mar...

subescrevo (da minha amiga bia petri): abre aspas

"Exceto aqueles casos de dias marcados por lutas/reivindicações/etc, como o Dia do Trabalho, eu acho muito chato esse negócio de dia dos namorados, das mães e similares...

compre presente
dê presente
espere um sorriso como retribuição
espere outras coisas como retribuição
gaste mais dinheiro para provar que você ama
o amor é proporcional ao dinheiro que você investiu no presente
seja feliz e simpático e amável naquele dia específico
nos outros nao precisa
mesmo porque o mundo é realista
os relacionamentos são realistas
vá a lugares lotados para exibir sua felicidade de anúncio de tv
sorria, sorria, sorria
você está sendo testado em sua capacidade de adequação/submissão à sociedade de consumo voraz/alienante/angustiante
sorria mais
agora comemore e sinta-se inserido no grupo
claro, o ser humano é um animal gregário
e isso inclui mostrar aos outros os troféus que angariou durante a vida
agora tire fotos
agora poste suas fotos e mostre seus troféus

pronto

você é um ganhador.

Agora, se você ficou em casa, sozinho,
se você não tem namorado no dia dos namorados, 
se você não tem mãe no dia das mães,
se você não tem pai no dia dos pais,
se você não tem filhos no dia das crianças
e todos os etecéteras cabíveis neste exemplo,
então, meu caro, sinto muito,
mas você não é um ser humano,
você está sozinho e pagando por isso

se você está fora da sociedade de consumo, 
você está fora da vida,
fora de si mesmo.

O consumo é que te torna humano, sacou?

um mergulho no rio da vida

“A observação imediata de si está longe de ser suficiente para aprender a se conhecer: precisamos de história, pois o passado continua a correr em nós em cem ondas; nós próprios nada somos senão aquilo que sentimos dessa correnteza a cada instante. Até mesmo aqui, se quisermos entrar no rio de nosso ser aparentemente mais próprio e mais pessoal, vale a proposição de Heráclito: não se entra duas vezes no mesmo rio. ― Essa é uma sabedoria que pouco a pouco se tornou amanhecida, mas apesar disso permanece  tão forte e tão substanciosa quanto outrora (...).”

NIETZSCHE, Friedrich W. Obras incompletas. Trad. Rubens Rodrigues Torres Filho. 3.ed. São Paulo: Abril Cultural, 1983, p.138-139. Coleção Os Pensadores.

segunda-feira, 11 de junho de 2012

relendo grande sertão: veredas (XXII)

“(...) mas fui ponteando opostos. Que isso foi o que sempre me invocou, o senhor sabe: eu careço de que o bom seja bom e o rúim ruim, que dum lado esteja o preto e do outro o branco, que o feio fique bem apartado do bonito e a alegria longe da tristeza!  Quero os todos pastos demarcados... Como é que posso com este mundo? A vida é ingrata no macio de si; mas transtraz a esperança mesmo do meio do fel do desespero. Ao que, este mundo é muito misturado...”

ROSA, João Guimarães. Grande sertão: veredas. 19. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001, p.237.